Decorre, neste mês de janeiro, a obrigação de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), das quantidades dos inventários, ou seja, dos bens detidos para venda no decurso do normal exercício da atividade, para integração no processo produtivo ou nas prestações de serviços a realizar. Isto para as entidades que tenham um período de tributação coincidente com o ano civil.
Para muitas destas entidades, também já se realizou ou está em curso com referência ao final do ano, a contagem física desses inventários.
É frequente, nesse procedimento, serem detetadas existências que dificilmente podem ser vendidas, porque se encontram obsoletas, deterioradas ou que, por uma questão de imagem, a empresa prefere não as vender nos canais normais de comercialização.
Ainda existem, por parte dos empresários e gestores, alguns embaraços em dar um fim a tais produtos, quando este não passe pela venda, com receio das consequências fiscais.
O facto de as mercadorias se apresentarem danificadas ou existirem dificuldades na sua venda, não significa que não possam ter valor de mercado, sendo este um fator a ter em consideração na análise das consequências fiscais dos possíveis destinos a dar a tais bens.
Nesta análise apenas serão tidas em consideração as situações que não se configurem como quebras normais inerentes ao próprio processo produtivo.
Abates
Concluindo-se que não há nenhuma possibilidade de venda, o cenário mais lógico será a destruição dos bens obsoletos ou deteriorados. Em alguns casos até pode ser uma imposição inerente às próprias regras de exercício dessa atividade, como é o caso de determinados produtos alimentares fora do prazo de validade.
Para evitar constrangimentos fiscais, um dos procedimentos aconselháveis é a comunicação prévia da data, hora e local do abate, identificando-se os produtos abatidos. Tal comunicação à administração fiscal deve fazer-se com uma antecedência mínima de 15 dias, para que esta, se assim o quiser fazer, deslocar um agente para fiscalizar o ato.
Claro que nem sempre é possível comunicar previamente tal abate. Em muitos casos, a natureza dos produtos obriga a que a destruição seja feita de imediato.
Nos casos em que não foi possível efetuar a comunicação prévia, ou quando a administração fiscal não tenha designado alguém estar presente em tal abate, deve elaborar-se uma relação dos bens abatidos, indicando-se a data, hora e local do acontecimento e tal auto de abate deve ser assinado por duas testemunhas, que podem, ou não, ser pessoas da própria empresa.
Pretende-se assim, no futuro, poder comprovar documentalmente que os bens foram efetivamente destruídos e inutilizados, afastando a presunção de venda do art.º 86.º do Código do IVA e, consequentemente, a necessidade de liquidar IVA pelo abate. Também, em sede de imposto sobre o rendimento (IR), não haverá tributação se for feita prova do destino dado.
Entregas a entidades terceiras
Se tais existências forem entregues a uma entidade terceira para destruição, então a prova de que não entraram no circuito de comercialização será feita através dos documentos comprovativos da entrega dos bens a essa entidade.
Obviamente haverá sempre de distinguir o tratamento fiscal dos produtos entregues sem contrapartida, que para todos os efeitos será um mero abate, e quando tal entidade terceira paga algum valor pela receção dos bens. Neste último caso estaremos perante uma venda ainda que abaixo do preço de custo, implicando, por isso, liquidação de IVA e sujeição a imposto sobre o rendimento.
Doações
Um outro possível destino das mercadorias obsoletas é a doação.
Se tais entregas gratuitas forem realizadas a entidades abrangidas pelas normas do mecenato e para as finalidades aí previstas, a perda inerente à doação desses inventários é aceite como gasto fiscal.
Em sede de IVA, a regra é que as ofertas de bens sejam sempre tributadas, quando tenha sido exercido (total ou parcialmente) o direito à dedução do IVA, na aquisição ou produção de tais bens, quando as ofertas tenham valor superior a 50 euros ou o seu valor anual ultrapasse cinco por mil do volume de negócios.
Mas, no Código do IVA, prevê-se uma isenção quando essas ofertas sejam efetuadas ao Estado, a instituições particulares de solidariedade social e a organizações não-governamentais sem fins lucrativos, feitas para posterior distribuição a pessoas carenciadas. Também se encontram abrangidas por esta isenção as transmissões de livros, a título gratuito, efetuadas aos departamentos governamentais nas áreas da cultura e da educação, a instituições de caráter cultural e educativo, a centros educativos de reinserção social e a estabelecimentos prisionais.
Na prática, alia-se o espírito solidário à necessidade de dar destino ao bens que pouco ou nenhum valor têm para a empresa, sem que tal implique uma tributação sobre tais operações gratuitas.
Fonte: Jornal de Negócios